Dia 15 de 21: Odeio

And
2 min readNov 5, 2021

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Odeio, ter nascido em uma comunidade carente e nunca ter gostado da merenda escolar, muito menos da forma que, por mais eu me esforçasse, meu conhecimento nunca foi bom o suficiente.

Odeio a forma como sistema me fez deixar de dormir para estudar, e até hoje, anos após a faculdade, ainda tenho olhos cansados.

Odeio como tive de levar 2 horas diárias até a faculdade, que não gostava, mas não largava — não se desiste quando você é bolsista —, isso me custou um tempo que não posso comprar de volta.

Odeio ter começado um curso novo, numa área nova, num novo sonho que não foi me empurrado goela abaixo, e tive que largar. Universidades federais não foram feitas para quem trabalha em período integral (assim como algumas realidades são apenas sonhos).

Odeio como sempre sou burra demais nos lugares onde aprendo, porém, sou inteligente demais diante das minhas raízes, que não entendem que inteligência não é quantificada de acordo com os diplomas que tenho assinados.

Odeio como apesar de viver com o mínimo, no meu bairro parece que vivo sobre os excessos, que morrem dentro do JK Iguatemi, onde há seguranças que me acompanham com olhos cismados, da entrada até a saída desconfortável e quase forçada.

Odeio minha origem e vivo tentando apagá-la, sendo que de onde eu vim é menos importante do que para onde eu vou, porém, me anular, é anular toda a verdade de quem acordou sem saber se é bala ou bomba.

Odeio mesmo a forma que nós esfriamos, e apagamos nossa humanidade, e como o ato de viver em grandes centros como São Paulo, faz a maior parte da população passar reto por todos aqueles que imploram para saciar a fome.

Odeio ter que repetir diariamente o que me aborrece, odeio como isso parece um discurso político mesmo eu sendo apolítica e odeio não ter a capacidade de mudar o mundo, pois eu me odiei demais para me qualificar nos milagres que enriquecem da noite para o dia.

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